segunda-feira, 17 de maio de 2010

O meu Médico de Família (ficção)



O meu Médico de Família é uma pessoa acessível, faz-me sentir à vontade, tem tempo para me ouvir; procura entender o que me preocupa (sem me julgar) e ajuda-me a ultrapassar os problemas que vão surgindo.

Deveria dispor de métodos mais fáceis e expeditos que lhe permitissem que os meus problemas de saúde fossem ficando registados rapidamente; assim, se tiver que ser atendido por algum seu colega... este possa saber quais os problemas que me afligem sem estar a repetir tudo de novo.

Confesso que me aborreço um bocado quando quero esmiuçar um ponto de vista e ele está a teclar no computador e a olhar para o ecrã, como que absorto; mas normalmente reparo que nesses momentos de aparente alheamento na sua tarefa, ouviu mesmo o que eu dizia e dá-me a entender que não se perdeu.

Fica absolutamente irritado quando o computador ou a impressora encravam e tem que desligar tudo e reiniciar novamente... E isso acontece às vezes mais do que uma vez na mesma consulta. Chego a levantar-me para ajudar a resolver o problema... mas volto normalmente a sentar-me rapidamente porque ele fica muito nervoso com toda a situação... tenho medo de o atrapalhar... Curioso, logo ele que é tão calmo e ponderado (o que me transmite confiança)... fica irreconhecível... e pede-me sempre desculpa... nessas alturas acabo por ser eu a ficar sem jeito...

Não me importo nada quando lhe conto coisas que me estão a acontecer ou aquelas manchas que há um ano apareceram nas minhas costas e ele tem necessidade de consultar programas que tem no computador para ajuizar melhor o que se está a passar comigo! A seguir, aproveita para me mostrar gráficos e figuras para eu entender melhor por que raio me está a acontecer aquela irritação. Por vezes, vêm colegas (quase sempre mais novos) pedir-lhe opinião sobre doentes que têm nos seus consultórios... agrada-me que me explique sempre que há um caso que precisa de mais 2 olhos (os dele) e me pede autorização para se ausentar por momentos. Nessas alturas reparo que tem os seus papeis arrumados com minúcia e os seus aparelhos cuidadosamente alinhados num tabuleiro próprio para não atrapalhar durante a conversa ou na luta com o computador. Quando volta diz sempre algo acerca da necessidade de se trocarem ideias e opiniões porque as pessoas são todas diferentes e as maleitas não aparecem sempre da mesma forma...

E confessa-me que tem autonomia para me receitar o que acha melhor para o meu caso, e para me pedir os exames de que eu preciso, mas que ele e os colegas seguem regras científicas (essa parte não percebi muito bem, tenho que um dia perguntar-lhe o que queria dizer com isso) para haver mais probabilidades de estarmos a tomar as decisões acertadas com o menor risco possível para o meu organismo. Fico contente porque muitas das vezes nem me receita medicamentos... explica-me como tenho que me alimentar e que exercício devo fazer e ensina-me truques para quando me dá a nervoseira...

Uma vez perguntou-me se não me importava que apresentasse o meu caso quando tive uma pneumonia por uma bactéria de nome esquisito para um trabalho que estava a fazer com um grupo de colegas; não iria em caso algum citar o meu nome ou identificação. Afinal para algo serviu aquele bicho estranho que se alojou nos meus pulmões....

Acho curioso e sinto-me satisfeito porque me explica sempre o que vai acontecer quando pede um exame e me solicita ajuda para decidir com ele “como vamos orientar o caso”; quando me receita algo explica-me sempre os prós e os contras dessa medicação e o que se espera com a mesma – e acaba por me pedir sempre o meu acordo quer para a receita quer para o tal exame que me explicou com detalhe.

Acho extraordinário o cuidado que tem em me vir receber e cumprimentar à porta do consultório e se vem despedir de mim no final. Faz sempre um comentário jocoso e amigável acerca da minha aparência ou solta uma pergunta interessada acerca dos meus filhotes.

Quando está ausente para férias ou para assistir a um congresso tem o cuidado de me avisar; em caso de necessidade, recorro na mesma à Unidade de Saúde onde trabalham mais sete médicos e seis enfermeiros, todos eles afáveis e amáveis como ele. Têm acesso ao meu processo nos seus computadores e já sabem o que me podem receitar e as maleitas que fui tendo ao longo desta já meia década.

A Unidade de Saúde Familiar é um local acolhedor com pinturas vivas e com equipamentos modernos e seguros; nela estão inscritos cerca de 14000 pessoas e fazem parte do Serviço Nacional de Saúde; estas Unidades são incentivadas pelo Ministério da Saúde e os profissionais podem escolher com quem querem trabalhar... O meu Médico explicou-me que ganham um pouco mais que os médicos dos centros antigos, conforme a quantidade dos doentes que têm a seu cargo e se cumprirem determinadas regras de bom desempenho.

Podemos recorrer a ela em qualquer momento numa aflição, e os serviços estão organizados seguindo normas e procedimentos de qualidade de forma a que todos sejamos tratados da mesma maneira, evitando ao máximo acidentes e erros na medicação.

O atendimento pelos secretários administrativos é afável e expedito; o meu médico explicou-me que têm muita preocupação em proporcionar formação adequada em atendimento, porque os secretários são o primeiro contacto que as pessoas têm com o serviço; sentimo-nos bem com uma pequena palavra de compreensão quando estamos numa aflição...

Não há muito ruído e as salas de espera são pequenas porque existe uma preocupação de estar sempre tudo marcado e as pessoas são atendidas às horas previstas.. o meu médico até me chama normalmente antes da hora....

Jesus Perez Sanchez
Março de 2010

Nota: este texto foi publicado neste blogue com a autorização do Dr. Jesus Perez Sanchez, médico de família.

3 comentários:

  1. Qualquer semelhança com a realidade, não é pura coincidência, é mesmo verdade!
    Quantos de nós se revêm em todo ou parte deste magnífico texto?

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  2. obrigada, é sem dúvida um texto inspirador :)

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  3. Todos, excepto os que atendem *diariamente* cerca de 30 a 50 utentes ...

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