domingo, 27 de abril de 2008

Da janela do consultório de um médico de família


Da janela do consultório de um médico de família

Da janela do meu consultório, vejo muita coisa… Eu vejo luz. Uma luz com várias tonalidades que vão alternando entre si. Eu vejo sol, vejo chuva, o azul de um céu límpido e cintilante e vejo brancos mesclados com tons de cinzento pintados pelas múltiplas nuvens que enfeitam as vidas.

Da janela do meu consultório, eu vejo espaços verdes que se escondem atrás das fachadas cinzentas e velhas da cidade. Estes rostos da minha cidade… Ninguém sabe os encantos que eles escondem, nem é fácil descobri-los. É necessário conseguir entrar, passar pelos corredores, de sala em sala, até lá chegar: àquela fresta por onde se consegue espreitar o jardim. E vejo alguns desarranjos, fruto de desgovernos trazidos com o tempo.

Junto à janela do meu consultório, há um pequeno patamar. Por vezes, pousa lá uma gaivota e espreita para dentro. Saúdo-a com os meus olhos, partilho algo e ela segue o seu voo.

Da janela do meu consultório, eu consigo ver as duas torres da Igreja da Nossa Senhora da Lapa. Como dois braços estendidos à cidade, estão sempre lá para dar e receber, disponíveis. E quando chega a noite, da janela do meu consultório, eu vejo luzes e estrelas. Mesmo depois de sugado o dia, ainda se vêem luzes e estrelas. Umas vezes mais cintilantes, outras menos…

Da janela do meu consultório, eu ouço o carrilhão da Igreja de Cedofeita com a sua melodia jovial que me inunda e me conforta. Ouço outros sons… buzinas, sirenes de ambulâncias, o cacarejar dos galináceos, o grasnar das gaivotas… Enfim, um arco-íris de sons: do mais natural ao mais sofisticado. E depois, ouço as crianças que saltam, riem e brincam… gritam. Em certas ocasiões, o barulho é tão intenso que chego a ter que cerrar a janela do meu consultório, para poder mergulhar no som apaziguador do coração: tum-tum… tum-tum… tum-tum…

Para quem não sabe, o meu consultório fica na Rua Miguel Bombarda, na cidade do Porto. Uma rua cheia de pedra, cimento e asfalto. Nesta rua, além do Centro de Saúde, existe um infantário, o café da Sra. Alice, o pomar da D. Leonor, várias galerias de arte… E tudo isto eu vejo e ouço da janela do meu consultório. Provavelmente, se o meu consultório ficasse noutro lugar, veria e ouviria coisas muito semelhantes.

5 comentários:

  1. É verdade, conheço essa janela e dela recordo a luz e as torres. Não se conhece uma janela só por a termos visto. É preciso abri-la e deixá-la falar. Da minha janela ouve-se o respirar da rua e mesmo quando ofegante teimo em deixá-la aberta. Um abraço, Mónica Coutinho, C&S

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  2. Carlos
    Tens de postar mais vezes, és um poeta...
    Grande abraço
    Jorge Silva

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  3. Sim, essa janela virada para esta cidade tão bela quanto aconchegada,tão taciturna ás vezes, tão alegre outras tantas, tambem se vê a poesia, que nos entra na memória, como passaros feridos, a procura de ternura, de compreensão ( quem sabe até de solução) para os ditames da nossa vida, presa vezes sem conta aos impropérios que criamos e hoje procuramos remediar - (aceitando nas palavras e acções do médico, do homem e do ser humano) -,o mal que nos apoquenta. Um enorme abraço, Joaqum Sá

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  4. Ñ posso deixar de concordar e acrescentar também a minha simpatia por esta linda rua que tem "un je ne sais quoi". Os seus jardins secretos, a sua vida na arte, a sua decadência mas ao mesmo tempo o cunho desta cidade. Basta uma tarde de sábado de inauguração de galerias e um olhar mais atento de um dia "normal" que se entende o que escreve. Obrigada

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  5. E a rua tinha os seus encantos mesmo antes das galerias... Passei lá diariamente, por vezes mais do que uma vez no mesmo dia... Casa icbas, icbas casa...
    Tenho saudades, uma nostalgia tv... É uma pena passear actualmente em cedofeita e pensar estas ruas já não são as minhas, nada está como antes...
    Sorte a tua em teres essa vista. Da janela do meu consultorio vejo apenas a parede feia e suja de uma fábrica do outro lado da rua... fabrica essa que os doentes apontam (através da mm janela) e dizem: isto destruiu a minha vida!

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